Territórios de extração

Região do Tapajós, Brasil

Por que territórios?

No projeto EPICC usamos o conceito de território para entender e discutir como as cadeias globais de commodities aterrissam em três regiões tropicais de alta diversidade biológica e social no sul global. Um território não é apenas uma área oficialmente demarcada pelo governo como um espaço limitado administrativamente, mas a fonte de relações ecológicas que ocorrem em um espaço complexo e político onde estão em jogo conflitos, assimetrias de poder, diferentes níveis de governos e governança (inclusive privada e internacional). Um território é permeado por relações socioambientais, construções, enigmas sociolegais e interconexões de sociobiodiversidade.

Região do Tapajós

A região do Tapajós está localizada na porção sudoeste da Amazônia brasileira, no estado do Pará. A região se estende do norte do estado do Mato Grosso, nas áreas de nascentes dos rios Teles Pires e Juruena, até o Planalto Santareno, ao norte, no Pará. A leste, a região faz fronteira com a bacia do rio Xingu, no Pará, e a oeste, com a bacia do rio Madeira, no estado do Amazonas. A região tem aproximadamente 500.000 km² e 73 municípios.

A maioria dos municípios tem menos de 50.000 habitantes, sendo os mais populosos Santarém, no Pará, e Sinop e Sorriso, no Mato Grosso. Sinop foi construída sob a política de colonização da Amazônia do governo federal durante a década de 1970. Sorriso, construída sob as mesmas condições, é reconhecida como a Capital Nacional do Agronegócio e como a maior produtora individual de soja do mundo. Santarém tem uma história bem diferente, pois foi fundada na segunda metade de 1660 pelo padre português João Felipe Bettendorf durante as missões jesuítas na região, mas é mais conhecida por sua ocupação ancestral por diferentes etnias de povos indígenas da Amazônia.

O rio Tapajós, juntamente com o rio Xingu, é uma das áreas culturais mais ricas em termos de variedade de povos. A região tem 33 Terras Indígenas que ocupam uma área de 8 milhões de hectares com 18 etnias diferentes. O maior grupo pertence ao povo Munduruku, mas outras etnias incluem: Apiaká, Tupinamba, Saí Cinza, Arapiun, Bakairu, Enawena-nawe, Halotesu, Irantxe, Nambikwara, Paresi, Rikbaktsa. Além dos povos indígenas, a região também abrange territórios de comunidades afro-brasileiras chamadas quilombolas. Os assentamentos agrários compreendem outros importantes territórios socioambientais. Essas áreas foram estabelecidas pelo INCRA (Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária) e os primeiros assentamentos de terra começaram em 1971. Na região do Tapajós, há um total de 149 assentamentos de terra, cujo tamanho varia de algumas centenas de hectares a 200.000 hectares. A área total dos assentamentos de terra é de cerca de 3,5 milhões de hectares e, segundo estimativa do INCRA, há aproximadamente 65.000 famílias de pequenos agricultores e camponeses vivendo nessas áreas.

Áreas protegidas e outros territórios de comunidades tradicionais na região do Tapajós, Amazônia, Brasil.

A região do Tapajós detém uma variedade de tipos de ecossistemas. No sul, possui grandes remanescentes da savana brasileira, denominada Cerrado. Ao norte, há uma grande porção de áreas de contato (ecótono), onde o Cerrado e a Floresta Amazônica se encontram. As áreas de contato entre a Floresta Amazônica e o Cerrado são caracterizadas por um clima altamente sazonal, pelo hiperciclo de nutrientes e carbono e pela hiperdinâmica da vegetação (Oliveira et al. 2017; Valadão et al. 2016). A região do Tapajós é considerada uma das principais zonas de endemismo da Amazônia, sendo caracterizada como uma área de barreira geográfica para determinadas espécies de aves. Ela também apresenta uma alta quantidade de endemismo para espécies de peixes. Entretanto, a maioria dos estudos sobre biodiversidade realizados na região restringe-se à porção norte do Tapajós, com inúmeras espécies ainda desconhecidas pela ciência. A área sob proteção legal pela criação de Áreas Protegidas (APs) compreende aproximadamente 10 milhões de hectares (em 34 APs) ou
22% de toda a região.

Toda essa diversidade de espécies da fauna e da flora tem sido historicamente manejada, desde tempos remotos, por povos indígenas e, mais recentemente, por comunidades tradicionais que habitam a região há centenas de anos. A diversidade de práticas de manejo florestal e da terra se reflete na rica sociobiodiversidade encontrada na região. As práticas de manejo florestal, agroflorestal, roçados e sistemas de queimadas permitiram a conservação e a dispersão de variedades e espécies agronômicas fundamentais para a subsistência, a segurança alimentar e a nutrição desses povos, assim como têm enorme relevância do ponto de vista econômico.

O Tapajós também possui uma formação geológica que leva a uma das maiores reservas de ouro do mundo. Em termos de extração ilegal, a maior parte está em Terras Indígenas, como a Terra Indígena Munduruku (povo Munduruku), Bau e as Terras Indígenas Mengrakoti (povo Kayapó). A mineração ilegal de ouro, a expansão das plantações de soja, as pastagens (para produção de carne) e a infraestrutura para extração/produção, armazenamento e transporte de commodities são as principais ameaças às pessoas e à biodiversidade na região do Tapajós.

A construção e a pavimentação de rodovias como a BR-163 e a BR-319 denominada Transamazônica, a instalação de portos e hidrovias e a construção de silos para atender ao comércio global de commodities e aos interesses de grandes corporações vêm modificando a paisagem e a dinâmica dos rios da região. A construção da ferrovia Ferrogrão, que liga as zonas de produção de soja no estado do Mato Grosso à estrutura portuária em consolidação no estado do Pará, tem como objetivo abrir caminho para a transformação do Arco Norte na nova e maior região de exportação do Brasil, encurtando a distância entre o Brasil e a Europa, o Brasil e os Estados Unidos e, principalmente, o Brasil e a China.

Porto da Cargill em Santarém, Pará, Brasil. Foto de: Rafaella Sena
Porto da Cargill em Santarém, Pará, Brasil. Foto de: Rafaella Sena

Infraestrutura do Arco Norte para exportação de commodities, destacando estradas principais, terminais portuários privados, portos sob registro e estações de transbordo de carga, Amazônia Legal, Brasil.

Nesse cenário, o índice de desmatamento na região do Tapajós após 2017 saltou para 37% ao ano. No total, o desmatamento acumulado para os 8 municípios com maior produção de soja no Pará no período de 2008 a 2021 foi de aproximadamente 780.000 hectares, com uma taxa média de desmatamento de 10% ao ano. A transformação da paisagem pela expansão da agricultura, mineração ilegal e infraestrutura tem sido intrinsecamente relacionada a violações de direitos humanos de povos indígenas e comunidades tradicionais e tem envolvido: i) expulsão e grilagem de terras; ii) contaminação de terras, água e corpos por pesticidas e mercúrio; iii) impedimento da manutenção de práticas agroecológicas e de manejo florestal que garantam a produção de alimentos, afetando a segurança alimentar das famílias e; iv) ameaças de morte e assassinatos.

Commodities globais

Território de consumo

Impacto Territorial da Extração Global

Territórios de extração